4 min • 09/02/2023
Edson Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé, morreu aos 82 anos, no dia 29 de dezembro de 2022. Pelé é considerado o maior jogador da história do futebol, e foi popularmente chamado de Rei do Futebol. Ele sofria de um câncer no cólon, e em um dado momento, seu organismo parou de responder à quimioterapia, e ele foi submetido a um tratamento paliativo.
Por conta da situação de Pelé, o tratamento paliativo foi colocado em destaque durante as suas últimas semanas de vida. Essas medidas costumam ser indicadas para pacientes em estágio avançado de câncer, e de algumas outras doenças. E uma das principais questões sobre esse assunto é saber em que momento esse tipo de tratamento deve começar.
Conheça agora o caso Pelé e tudo o que você precisa saber sobre tratamento paliativo.
Caso Pelé
Pelé foi diagnosticado com câncer no cólon (ou câncer de intestino) em 2021 e, a partir daí, passou a fazer tratamento contra a doença. Em 2022, foram identificadas metástases, ou seja, espalhamento para outros órgãos. Em 29 de novembro, ele foi internado e, no dia 6 de dezembro, o corpo clínico do hospital emitiu o primeiro boletim.
Nesse primeiro comunicado, foi indicado que Pelé tinha apresentado melhora no quadro de infecção respiratória. Mas, também disseram que ele precisava passar por uma reavaliação do tratamento quimioterápico. Nesse momento, o Rei do Futebol buscou tranquilizar os seus fãs, pedindo tranquilidade e pensamento positivo, e também agradeceu a equipe médica e o carinho recebido.
O último boletim médico preocupou os fãs. Ele informava que apesar da melhora no quadro da infecção respiratória, Pelé havia apresentado progressão da doença oncológica. Ou seja, os tumores do intestino passaram a obstruir o trato gastrointestinal e piorar outras funções. E, por conta da insuficiência cardíaca e renal, ele necessitava de cuidados especiais.
A sedação de Pelé precisou ser aumentada no dia 24, o colocando em um “processo ativo de morte”. Esse procedimento é indicado quando o paciente atinge disfunções orgânicas irreversíveis. Ainda assim, os filhos celebraram o Natal ao lado de Pelé.
Edinho, um dos filhos, publicou uma foto para registrar o momento do reencontro com o pai. A morte do craque foi confirmada na tarde do dia 29 de dezembro, um mês após ser internado.
O que é tratamento paliativo?
De acordo com a OMS – Organização Mundial de Saúde, o tratamento paliativo consiste na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do paciente e dos familiares. Isso é feito por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, diante de uma doença que ameaça a vida.
Em 2019, o tratamento paliativo foi incluído pelo Ministério da Saúde como política pública de saúde. O seu objetivo é evitar e aliviar o sofrimento físico, psicológico, social e emocional. A indicação significa que o paciente tem uma doença grave e necessita de medidas de conforto biopsicossocial.
Porém, a indicação de um tratamento paliativo não significa necessariamente o fim da vida. Apesar de termos a ideia de que esse tratamento está relacionado a pacientes terminais, essa abordagem não significa que o paciente ou os médicos desistiram do tratamento. Na verdade, essas medidas são decisões ativas, em prol da melhor qualidade de vida possível.
Os cuidados paliativos podem, inclusive, ser indicados no momento do diagnóstico, no início do tratamento, quando ainda existe chance de cura. O tratamento paliativo não deve ser associado com “gambiarra”, pois o termo vem de “Pallium”, que significa um manto extra de cuidado.
Em alguns lugares, o termo até mudou para “cuidados de suporte à terapêutica”. O tratamento paliativo é indicado para pessoas com alto grau de sofrimento. O paciente pode ter um diagnóstico de doença grave, e ter uma longa jornada pela frente, ou pode já estar sofrendo.
O tratamento paliativo possui alguns conceitos importantes. É fundamental entender que receber esses cuidados, não significa que o paciente está abandonado. Pelo contrário, o tratamento pode continuar, e até curar o paciente. O foco é o paciente e não a doença, afinal, tratando a doença, podemos ganhar ou perder, mas tratando o paciente, sempre ganhamos.
O Caso Ana Michelle
Ana Michelle Soares foi uma das grandes vozes do movimento de cuidados paliativos no Brasil. Diagnosticada com câncer de mama há 12 anos, ela acabou falecendo no dia 21 de janeiro de 2023.
Quatro anos após receber o diagnóstico do câncer de mama, ela descobriu que o mesmo havia se espalhado por outras partes do corpo e que, a partir dali, também iniciaria um tratamento paliativo.
A partir daí, se tornou um exemplo para o Brasil e o mundo, mostrando que durante um tratamento paliativo não se deve esquecer que ainda há vida. “Eu posso até estar com uma doença grave. Mesmo assim, ainda vale a pena viver da melhor forma possível“, disse ela à BBC News Brasil em 2020.
Na época ela havia lançado seu segundo livro sobre o assunto e também, contribuído com o projeto da Casa do Cuidar, que recebe pacientes independentemente do tipo de doenças que eles têm.
Antes de partir, Ana Michelle, mesmo internada, teve a oportunidade de realizar diversos desejos que ainda restavam em sua lista. E principalmente, distribuir amor entre os seus enquanto ainda havia vida.
Quem pode se beneficiar?
O tratamento paliativo pode ser indicado para qualquer pessoa que seja diagnosticada com uma doença grave, evolutiva ou com alto potencial de sofrimento. Entre essas doenças podemos citar câncer, AIDs, insuficiência cardíaca, Alzheimer, doença pulmonar obstrutiva crônica, Parkinson, entre outras.
Além disso, podemos citar os pacientes que estão fragilizados pela soma de várias doenças, que sozinhas não trariam risco. Porém, dentre todas as situações, os casos de câncer costumam ser os que mais utilizam esse tipo de tratamento.
Grandes centros de saúde já oferecem uma equipe de tratamento paliativo que acompanha os pacientes desde o início. Em outros hospitais, essas equipes são acionadas em dois momentos. O primeiro é quando o paciente possui pelo menos dois sintomas descompensados, como dor, falta de ar e náusea. O segundo é quando existe funcionalidade reduzida.
Cuidado precoce e humanizado
Pessoas que possuem alguma das doenças graves já citadas, vivenciam uma carga devastadora por conta dos sintomas físicos, emocionais e psicológicos. Por isso, muitos especialistas apostam na adoção precoce de condutas terapêuticas para respeitar os limites do próprio paciente diante da situação vivenciada.
Ou seja, é indicado que o paciente receba tratamento paliativo precoce, iniciado logo após o diagnóstico de uma doença grave. Assim, é possível oferecer a essa pessoa uma melhor qualidade de vida, propiciando o tratamento convencional, e mantendo os sintomas mais controlados.
Sendo assim, o tratamento paliativo contribui para aliviar as complicações e os sintomas estressantes causados pela evolução da doença e também pelo tratamento. Afinal, essa técnica ajuda a aliviar a dor, a dispnéia (falta de ar), a anorexia, a astenia (fraqueza), e também outros sintomas.
A intenção do tratamento paliativo não é adiar nem apressar a morte. Essa técnica oferece suporte para que o paciente viva o mais ativamente possível até a cura, ou morte. E, também, oferece um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente em seu próprio ambiente, oferecendo, inclusive, aconselhamento e suporte ao luto.
Quando o tratamento paliativo deve começar
É possível iniciar o tratamento paliativo desde o momento do diagnóstico de uma doença grave. Porém, quando não existe essa possibilidade, esse tipo de medida é iniciada quando o tratamento curativo não está mais atuando, ou seja, quando ele não está mais fazendo o efeito esperado de cura.
O tratamento paliativo pode ser realizado na casa do próprio paciente ou no hospital, dependendo de como está sendo feito o tratamento curativo. E iniciar esse tipo de tratamento é uma decisão conjunta entre os médicos, o paciente e os seus familiares.
O principal problema do tratamento paliativo, é que muitas vezes, ele é iniciado de forma tardia. Isso porque, por desconhecimento do assunto, algumas pessoas enxergam esse recurso como uma alternativa para quem já está desistindo do tratamento ou para casos em que não exista mais nenhuma esperança.
Mas, na verdade, o tratamento paliativo deve ser realizado junto com o curativo. O importante é que, com o caso sendo encaminhado para a cura ou para a morte, os cuidados paliativos oferecem uma vida de qualidade. Assim, se você ou um familiar estiverem passando por essa situação, você pode conversar com o seu médico sobre essa possibilidade.
Encaminhamento tardio
Quando o tratamento paliativo é precoce, é possível criar uma relação entre a equipe, o paciente e a rede de apoio. Dessa forma, fica mais fácil aumentar a confiança e a adesão ao tratamento proposto. Porém, o que acontece é que o encaminhamento do paciente para o tratamento paliativo costuma ser tardio.
Ou seja, geralmente ele só é iniciado quando o tratamento curativo não está mais funcionando e a equipe que vinha tratando a doença de base para de atuar. Por conta disso, o paciente e os familiares se sentem isolados, como se a equipe tivesse desistido e o paciente fosse deixado à própria sorte.
Equipe multidisciplinar
É muito importante que o tratamento paliativo seja realizado por uma equipe formada por vários especialistas, ou seja, uma equipe multidisciplinar. O trabalho em conjunto garante tanto a autonomia individual do paciente, quanto valores éticos e humanos. Ele garante também o atendimento a todas as necessidades do paciente e familiares, e, ainda, atendimento às dimensões psicológicas, espirituais, sociais.
Entre os profissionais que compõem essa equipe, podemos citar médicos paliativistas e clínicos gerais. Outros profissionais que costumam fazer parte do time são psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, assistentes sociais, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Além disso, podem fazer parte do grupo motoristas, representantes religiosos, voluntários e cuidadores.
Tipos de suportes oferecidos no tratamento paliativo
Uma equipe de tratamento paliativo pode oferecer ou não todos os suportes citados abaixo. Por isso, antes de iniciar esse tipo de tratamento, converse com o seu médico.
Conheça agora os tipos de suporte que podem ser oferecidos no tratamento paliativo.
Controle de sintomas
O tratamento paliativo avalia como a doença está afetando o paciente e ajuda a aliviar os sintomas, a dor e o estresse. Ele garante que todas as necessidades do paciente sejam atendidas, por isso, oferecem opções e permitem que pacientes e cuidadores participem do planejamento.
A equipe pode ajudar a gerenciar problemas mentais, físicos, emocionais, sociais e espirituais que estejam ocorrendo. O controle da dor ajuda o paciente a se sentir mais confortável e controla os outros sintomas, aumentando a qualidade de vida. O tratamento paliativo ajuda a gerenciar os sintomas de forma que o paciente se mantenha alerta a ponto de compartilhar com as pessoas ao seu redor e para tomar decisões importantes.
Home care e internação do paciente
O paciente pode estar fazendo o tratamento paliativo juntamente com o tratamento curativo e pode precisar de internação hospitalar. Nesse caso, a equipe de cuidados paliativos vai acompanhar o paciente onde ele estiver internado, e vai continuar prestando auxílio ao paciente e também aos familiares.
Cuidado espiritual
Os pacientes podem ter diferentes crenças religiosas e necessidades espirituais, por isso, o cuidado espiritual está presente no tratamento paliativo. Esse tipo de atenção é uma necessidade específica do paciente, por isso, a equipe o ajuda a encontrar significado para a finitude ou forças para continuar.
Reuniões familiares
Essas reuniões ajudam a manter os familiares informados sobre a condição do paciente e o que podem esperar. Nesses encontros eles compartilham sentimentos e podem falar sobre o que está acontecendo para aprender a lidar com o processo de cura ou morte. Os membros da família encontram apoio e alívio nesses momentos.
Coordenação dos cuidados
A equipe de tratamento paliativo coordena e supervisiona todos os aspectos do cuidado do paciente. Isso inclui certificar-se de que todos os envolvidos compartilham as informações sobre o paciente. Para isso, sempre há alguém de plantão para ajudar em tudo que possa ocorrer.
Substituição temporária
A equipe de tratamento paliativo pode substituir temporariamente um amigo ou familiar que esteja cuidando do paciente. Esses períodos duram até cinco dias, e durante esse tempo, a família pode ir a algum evento ou simplesmente descansar um pouco.
Luto
Esse momento ocorre após a perda, ou seja, é um cuidado específico para os familiares dos pacientes. Esse suporte pode se estender até um ano após a morte do paciente.
Tratamento paliativo na prática
O tratamento paliativo permanece disponível para o paciente durante 24 horas por dia, 7 dias por semana. Para isso, existe um cuidador principal, que geralmente é um familiar ou amigo próximo. O time que gerencia o tratamento é uma equipe multidisciplinar formada por diversos profissionais como os já citados.
O local onde o tratamento paliativo acontece depende das necessidades de cada paciente. Eles podem acontecer nas suas próprias casas, podem ser feitos por programas desenvolvidos em hospitais, ou podem ser realizados em casas de repouso, ou outros sistemas de saúde. E esse tratamento pode ser custeado por seguros e planos de saúde, pelo próprio paciente, ou até pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.
Como o tratamento paliativo ajudou o Pelé?
Pelé teve uma enfermidade que atingiu estágio irrecuperável. Essa é uma das indicações do tratamento paliativo, por isso, foi indicado para ele. O objetivo desse tratamento pode ser contribuir para amenizar os incômodos que ocorrem durante o tratamento curativo, mas no caso do Rei do Futebol, serviu para promover conforto em seus últimos momentos.
Esse tratamento contribuiu para respeitar seus últimos dias de vida, ao lado da sua família. O ajudou a ter uma morte digna e acompanhada por uma equipe competente. Os medicamentos de última geração e as diversas tecnologias oferecidas pelo hospital não estavam mais trazendo resultados, por isso, nesse caso, o tratamento paliativo foi realizado para trazer mais conforto a Pelé.
Agora que você já sabe como funciona o tratamento paliativo, conheça o Projeto de Apoio ao Luto da Angelus.